Quando o amor não basta pra ficar: amar também é deixar ir
tudo bem não saber lidar com o "fim"
O filme Apenas o Fim (2008) conta a história de Tom (Gregório Duvivier) e de “Ela” (Erika Mader), uma estudante universitária que decide terminar com o namorado e fugir para um lugar desconhecido. Antes de partir, o casal se encontra para relembrar momentos do passado e imaginar o futuro de maneira bem divertida. Ao longo da conversa, vemos como cada um lida com essa despedida: enquanto Tom parece confuso, tentando entender o que deu errado, Ela se mostra decidida, ainda que envolta em certa melancolia.
O filme alterna entre flashes de conversas antigas e o presente, no qual eles vivem as últimas horas juntos. Essa estrutura fragmentada reflete justamente o que é o fim de um relacionamento: um entrelaçamento de memórias, idealizações e tentativas de entender o que ficou. Um comentário que li no Letterboxd dizia que esse é o nosso Before Sunrise brasileiro e talvez seja mesmo, com uma diferença essencial: aqui, somos apresentados ao fim, sem a promessa de reencontro.
Mais do que um romance adolescente, Apenas o Fim é um retrato da juventude contemporânea, marcada pela efemeridade dos laços, pelas incertezas, e pela dificuldade de conciliar o desejo de liberdade com o medo de estar só. Há uma tensão constante entre o afeto que ainda existe e a impossibilidade de continuar. E talvez esse seja o maior ponto de dor: amar, mas ainda assim ter que ir embora.
Segundo a página A Gazeta do Acre, “hoje o amor banalizou-se”, porque se ama tudo e a todo instante: livros, comidas, dias de sol, noites de chuva, corpos, roupas, momentos. A palavra “amor” tornou-se parte do cotidiano, repetida sem cuidado, esvaziada de sentido. Vive-se um amor rápido, descartável, que não se permite aprofundar. Troca-se o “para sempre” por mais uma noite. O que resta é uma espécie de amor incrédulo, que confunde felicidade com prazer imediato.
O filme de Matheus Souza toca justamente nessa ferida. Ainda que com um tom leve, quase despretensioso, ele mostra que o amor exige mais do que a vontade de estar junto. Ele exige presença, escuta, maturidade e, às vezes, exige também saber partir. Porque amar nem sempre significa continuar. Amar pode ser aceitar que o outro precisa ir. Pode ser deixar que a história termine, mesmo que ainda existam páginas em branco.
Apenas o Fim nos convida a refletir sobre a ideia de que todo amor precisa ser eterno. Mas e se a beleza do amor estiver justamente na sua finitude? E se o amor mais verdadeiro for aquele que não tenta se aprisionar, mas se permite existir enquanto fizer sentido e depois, se for preciso, saiba se despedir?
No fim, fica a pergunta que dói, mas liberta: e se o amor, por si só, não for suficiente para fazer alguém ficar? Talvez amar também seja isso: saber a hora de ir, de deixar ir e ainda assim seguir amando, em silêncio, na memória, ou apenas no gesto de permitir que o outro seja o que precisa ser.
Tem um trecho muito interessante do filme em que a protagonista diz:
“Você vê filme demais. Vai acabar me amando pra sempre. Vai me procurar em todas as garotas,
todos os bares, todas as ruas. Aí, um dia, depois de muito tempo, em um lugar qualquer,
você vai me ver. Mas aí vai achar que foi uma ilusão. E eu vou embora.”
E então o protagonista responde:
“A gente está perdido, né?”
Ela, por sua vez, devolve:
“A gente se perdeu assim que se encontrou.”
Finais de relacionamento costumam ser exatamente assim: mesmo com o passar dos anos, pedaços da pessoa permanecem eternizados em nós. Às vezes, o que se perde não é só o outro, mas também partes de nós mesmos. O amor jovem tem muito disso a gente se perde um pouco, talvez por idealizar que todo relacionamento vai durar para sempre.
Esse filme é, basicamente, uma anatomia de um relacionamento. A cada minuto, vamos conhecendo melhor os personagens e compreendendo o peso dessa relação até mesmo os fatos mais fúteis ganham espaço. Isso nos faz repensar como, muitas vezes, pessoas passam anos juntas sem realmente se conhecerem.
Sempre acreditei que amar é compreender o todo: desde os erros bobos, as manias, até coisas aparentemente pequenas, como “qual é o personagem favorito em *Cavaleiros do Zodíaco?”. Porque são nesses detalhes que a intimidade se constrói e, por vezes, também se desfaz.
Às vezes, essa questão de “deixar ir” é extremamente complicada. Nos apegamos a pequenos detalhes como desculpa para fazer o outro ficar ou para convencermos a nós mesmos de que aquele relacionamento ainda tem futuro, mesmo quando, no fundo, sabemos que não tem. E mesmo quando tudo acaba, nem sempre conseguimos realmente deixar ir. Acabamos transformando o que vivemos em uma medida, um padrão e todo novo relacionamento se torna uma grande comparação com o anterior.
Porém, há um fato relevante: por mais que um relacionamento envolva troca ou dure anos, ele ainda assim pode chegar ao fim por uma infinidade de motivos. O quanto você conhece alguém ou o que faz por essa pessoa não impede que um relacionamento chegue ao fim. Afinal, somos seres imprevisíveis, vivendo momentos de vida muitas vezes distintos, e algumas feridas são tão grandes que exigem um tratamento solitário. Idealizamos um amor que supera todas as coisas, mas, às vezes, amar também é saber deixar ir, deixar ser.
Nas partes finais do filme, Tom diz uma frase muito emblemática: “O único lado bom de se morrer de amor é que você continua vivo.” E acho que isso é algo que muitas vezes esquecemos. Relacionamentos acabam, pessoas vêm e vão. A gente morre pelo amor que sentimos por elas, pelo fim daquilo que foi, mas, ainda assim, continuamos.
Essa é uma verdade difícil de aceitar: o amor, por mais intenso que tenha sido, nem sempre garante que a relação sobreviva. A dor do fim é real, mas a vida, em sua imprevisibilidade, insiste em seguir. A gente se perde, se esgota, mas sempre há algo em nós que permanece. Mesmo quando parece que não, o tempo se encarrega de transformar a dor em memória, e a memória, com o tempo, perde o peso. O que fica não é o vazio, mas a capacidade de seguir, de aprender com o que passou e de, talvez, dar espaço para um novo começo.
Talvez seja isso que o filme nos ensina: o fim de um relacionamento não é o fim de nós mesmos. Ele marca uma transformação. Cada história de amor, mesmo que termine, nos molda de alguma forma. Amar, então, não é apenas viver o que foi bom, mas também saber como deixar ir aquilo que já não faz mais sentido. E, ao contrário do que muitos temem, não é o fim que nos destrói. O que realmente nos quebra é não saber como seguir, como recomeçar.
Nos minutos finais, Tom demonstra sua dificuldade em lidar com o término, se apegando a perguntas como: “O que aconteceu para ela querer ir embora?” “Para onde ela vai?” numa espécie de negação, tentando encontrar sentido ou talvez uma brecha para reverter a decisão. Enquanto isso, Ela evita responder diretamente, preferindo se concentrar no presente, nas últimas horas juntos, como se cada segundo merecesse ser vivido intensamente, sem projeções, sem despedidas definitivas.
Até que Tom finalmente admite: acreditava que seria para sempre. E, num momento de vulnerabilidade dividido entre a cena do beijo e os pensamentos dos personagens, ele diz que mudaria todos os erros dele só para que ela ficasse, só para tentar mantê-la ali.
Então, Ela responde com uma das falas mais marcantes do filme:
“Isso é só o fim. O que realmente importa já foi feito. Já tivemos nossos momentos especiais. É isso que importa no fim: ter alguma coisa para lembrar, alguma coisa para nunca esquecer, alguma coisa que nunca tem fim.”
Eles se beijam pela última vez. E Tom a observa enquanto ela vai embora.
E é nesse gesto silencioso, doloroso e cheio de amor que entendemos: amar também é deixar ir, mesmo quando tudo dentro de nós ainda quer ficar, ainda quer acompanhar.
Apenas o Fim não é só um filme sobre um término, mas sobre tudo o que fica quando algo acaba. É sobre a dor silenciosa de ver alguém partir e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que o amor verdadeiro não se mede pela duração, mas pela intensidade dos momentos vividos. A obra nos lembra que finais nem sempre são fracassos; às vezes, são necessários. E que deixar ir, por mais difícil que seja, também pode ser uma forma de amar. Porque, no fim das contas, o que permanece são os fragmentos que o outro deixou em nós e que, inevitavelmente, continuarão nos acompanhando pelas ruas, pelos bares, pelos olhos de outras pessoas. E tudo bem. Afinal, viver também é aprender a se despedir. E sobreviver a isso é prova de que seguimos vivos.